sábado, 28 de maio de 2016

09 - De onde nascem as palavras


Quem desejou viver para sempre? Quem criou a história, através do nascimento da palavra, desejou viver para sempre, e amar para sempre.
O Criador Inicial construiu a primeira fábrica, seguindo ordens superiores. Foi a mais rudimentar, a mais pequena e a mais emblemática de todas. A usina ficou eternizada pelas misteriosas luzes vermelhas, brancas e azuladas que saíam projetadas pelas paredes negras do edifício sempre que uma nova palavra era gerada. Saíam minúsculas, ímpares grãos microscópicos com energia capaz de eternizar. E cantavam. Sonatas ecoavam do interior da construção após cada nascimento, luzes coloridas bailavam numa alegria esfuziante quando recebiam os seres milagrosos, e o espetáculo grandioso parecia não ter fim.
Palavra após palavra, aos primeiros historiadores tinha sido dada, finalmente, a possibilidade de iluminar o futuro, de encontrar novas formas de perpetuar o presente com palavras tenras. Os sábios que edificaram a fábrica precisaram de aprender a escutá-la enquanto esta laborava no máximo da suas capacidades, para lhe aperfeiçoarem o funcionamento, e demoraram muitas gerações até o conseguirem. Por essa altura já milhares de outras fábricas tinham sido construídas, réplicas imperfeitas da primeira. Nunca conseguiram alcançar a glória desse feito incrível, e acabaram por definhar à sombra da construção inicial, que cresceu desmesuradamente até ao trágico dia da Grande Destruição.
As paredes cresceram em todas as direções, e a fábrica expandiu-se com soluções criadas para providenciar o necessário apoio ao nascimento de todo o tipo de palavras. Com o passar dos séculos, a dimensão do projeto começou a levantar problemas que ninguém antecipara. Laboratórios científicos começaram a testar as teses de peritos a pedido do Construtor Inicial, apesar de ele ter jurado nunca mais se intrometer nos destinos do empreendimento, mas a honestidade de alguns dos engenheiros-chefe foi posta em causa e alguma coisa tinha de ser feita. Tornara-se imprescindível descobrir os defeitos causados pela inadmissível incompetência das chefias antes que fosse tarde demais.
Queixas, umas atrás de outras, foram escutadas. Confissões foram proferidas, e um prazo de dois anos para a recuperação e renovação da fábrica acabou por ser a estimativa do tempo necessário para esse efeito.
Dois anos!
Dois anos de espera, e só então nasceria uma nova palavra depois de Efémera, que não fazia a mais pequena ideia da tarefa gigantesca que a aguardava.
Uma palavra mais velha descansava ao seu lado. As duas seguiram assim, aconchegadas e quentes, no interior da carruagem de madeira do famoso historiador, que não tinha grande pressa em chegar ao destino. O homem entretinha-se a beber aguardente velha por um pequeno cantil metálico que herdara do avô na adolescência, e o cheiro a álcool, que era impossível de disfarçar, entranhou-se por toda a parte.

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