A descida da ravina durou o dia inteiro. Efémera só tocou
o chão depois da noite ter chegado. Era uma palavra exausta, mas feliz. Alguma
coisa lhe dizia que aquele lugar ainda não tinha sido pisado por nenhuma
palavra. Sentiu-se especial, e deitou-se para descansar. Antes de fechar os
olhos, deu de beber à sede e de comer à fome. As palavras não necessitam de
muito conforto para dormir, até porque não adormecem de verdade. Transformam-se,
mimetizam-se, ficam quase ausentes, quase invisíveis, procuram passar
despercebidas aos possíveis predadores. A sorte de Efémera era que, por aquelas
bandas, não existiam caçadores de palavras nem de frases que a pudessem atormentar,
e foi então que ela dançou. Aquela palavra estava demasiado ansiosa e só pensava
no que o novo dia teria para lhe oferecer. Parar a música que alimentava a jovem
criatura seria impossível. As palavras não nascem para ser interrompidas, nascem
para ensaiar as suas virtudes até ao limite do tolerável.
Efémera sonhou que estava pronta para dar início aos ensaios
mais complicados, sentia-se segura apesar de ser demasiado jovem para assumir um
risco tão grande. Exausta, adormeceu sorridente, orgulhosa com os primeiros meses
de existência. Não se imaginava a fazer mais nada senão aquele trabalho. Uma palavra
é quem acompanha, quem alinha, quem experimenta e muda, quem corrige, quem vai a
todos os lugares, os que estão perto e os distantes, é quem transporta, quem chega
e quem se despede, quem mostra como se faz, quem ensina e quem aprende.
Efémera dançou, e o sol ficou sentado, quieto, a observar
e a bater palmas, devagarinho, para não a incomodar.
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