terça-feira, 24 de maio de 2016

06 - A Longa Escuridão


Os trabalhadores ficaram bastante nervosos com os efeitos terríveis causados pela Grande Destruição, e muitos escolheram acalmar os nervos com cigarros que acenderam uns atrás de outros. Os seguranças e os guardas eram os que demonstravam maior nervosismo. Pensaram que seriam imediatamente apontados como os principais responsáveis pela tragédia, eram os mais que prováveis bodes expiatórios de tudo o que de mal ali estava a acontecer. As suas tarefas eram as mais rotineiras de todas, e também as mais monótonas. Tinham de executar constantemente os mesmos movimentos, repetir até à exaustão as mesmas ações, dia após dia, semana após semana, e isso desgastava-os psicologicamente. Era um cansaço mental, mais do que físico, e poucos apreciavam o que ali tinham de fazer, mas aquele era o seu trabalho. A grande usina vislumbrava-se por mais de uma centena e meia de quilómetros, ocupando toda a paisagem. Era ali que a esmagadora maioria das famílias do planalto ganhava o seu sustento, ali nasciam, cresciam, trabalhavam, e ali acabavam por falecer, principalmente durante o inverno rigorosíssimo que se fazia sentir naquelas paragens. Os antigos diziam que o frio, certa vez, foi tanto que terá conseguido congelar o movimento do planeta. Muitos sucumbiam durante a Longa Escuridão que se seguiu e que tudo mudou.

Animais muito estranhos começaram a aventurar-se até junto da entrada do complexo onde as palavras eram fabricadas. Neves perpétuas e muralhas altíssimas de gelo protegiam, em silêncio, os trabalhadores dos ataques das feras, quebrando-lhes os intentos. Os grandes monstros cinzentos, misto de iaque e de mamute, abriram as bocas e urraram, em uníssono, cheios de vontade de trepar. Os mais ferozes e famintos ainda correram e lançaram os corpos violentamente contra as muralhas para as tentar derrubar. Nenhum animal, que se saiba, conseguiu alcançar sucesso nesse mister. Sempre que o faziam, gritavam e urravam com grande determinação, apregoando assim aos ventos gélidos que eram os novos donos da escuridão. Foram vencedores de um combate desigual, derrotaram o silêncio do lugar, e celebraram esse sucesso durante meses fazendo estremecer a terra e os céus com os seus gritos fantásticos. Os urros das bestas eram insuportáveis, e depressa consumiram a paciência dos habitantes e dos trabalhadores da fábrica que ficaram à beira da loucura.
A noção da realidade foi transformada para sempre. Apenas Efémera resistiu, vitoriosa, e foi capaz de vir ao mundo sem nada saber acerca destes acontecimentos.
Adormeceu com as mãos debaixo do pequeno rosto delicado, semente quase perfeita de um mundo paralelo que terá de fazer acontecer.

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