Eis a hora em que
escrevo, sem acreditar no que vejo, num local onde nada é importante, onde
ainda não é tarde, nem cedo. Qual a substância da indefinição do que aqui se
passa e onde tantos nada têm para dizer. O tédio atravessa a atmosfera que se
adensa, e os nervos crescem até ficarem à flor da pele. Mantiveram-se
esquecidos, num torpor diferente do habitual, mas a solidão alterou-lhes o
aspeto e a essência, tornou-os agressivos e incontroláveis. As palavras e as ideias
foram repetidas até à exaustão em tons monocórdicos, frios, o cansaço cresceu e
tomou conta dos presentes que salpicaram de saliva as mesas, quase raivosos. Depois
cuspiram as opiniões com uma ausência de coisa parada, mais parecida com
desespero. Assim se passou esse instante feito de nada, perdido no espaço
enlameado onde redigi estas palavras para sobreviver.
Hoje relembro o dia que
foi ontem e que perdi. Um dia inteiro, perdido, e como me custou tê-lo perdido
assim. Deixei de escutar, fiz de conta que ouvia, mas o ruído passava ao largo
sem me atingir, viajava em carroças lentas e velhas que o transportavam à velocidade
do som, em câmara lenta, até que parou e nada mais se escutou. A cidade era
apenas sentida, permaneceu parada no tempo enquanto a luz dos relâmpagos
acendia o céu em rasgos brancos luminosos. A sala desapareceu, foi consumida
por uma imensa oportunidade de mudança e fugiu, sobressaltada, silenciosa, sem
despedidas circunstanciais. Desapareceu para outro lugar e com ela levou todos
os que ali se tinham reunido. Eu, que tinha sido ágil e dela me ausentara antes
do início da tempestade, sobrevivi, com um alívio feito de lágrimas derramadas
pelo dia que ali acabara de perder. A noite ficou quente e abafada, as nuvens
não se afastaram e mantiveram a tempestade por tempo indefinido. A luz do maior
dos relâmpagos rasgou os céus e nele desenhou uma mão branca que devolveu o som
às coisas do meu mundo. O calor manteve-se por mais algum tempo, e só eu sei
como o detesto. As suas garras invisíveis são implacáveis, atiçam fogos que são
o que de mais triste o verão tem para oferecer. A sala regressou ao mesmo local
de onde tinha desaparecido, sem ninguém lá dentro, o que me fez feliz. Os
barulhos da rua acalmaram-me a dor e a alegria, tudo regressou à normalidade,
não sei porquê. Foi um pequeno mistério o que ali aconteceu.
A chuva começou a cair
e limpou as ruas e avenidas.
O vento forte
varreu-as.
As paredes das
habitações deixaram de ter janelas.
Viaturas elétricas recuperaram
a energia e recomeçaram a subir e a descer a calçada com os passageiros no
estômago. Eu entrei dentro de uma delas que passava na alameda onde moro para
retornar a casa.
Eram quase duas horas
da manhã quando ganhei alguma esperança em poder dormir um pouco, e aqui estou.