Um mistério permanecia encerrado no coração de Efémera,
e ela tinha de o desvendar.
Muitos acreditavam ser inútil tal preocupação fazer parte
da vida de uma palavra tão jovem, consideravam, inclusive, ser impossível, em
tão tenra idade, dar-se início à construção de um espírito capaz de resistir às
marcas do tempo. As palavras novas foram criadas para crescer através da união
com outras palavras, dessa riqueza se constroem memórias que, depois, devem ser
preservadas com o respeito e amor que merecem, e só com amor e respeito sobreviverão.
Efémera não nasceu uma palavra igual às outras, ela
chegou no momento em que a sorte resolveu virar a cara ao mundo, nasceu no instante
anterior ao desespero e destruição. Os gestos que praticava enquanto dormia acalmavam
os seus primeiros medos. O truque consistia em olhá-los de cima para baixo, com
altivez. A esperança aumentou de tal forma que ela bem cedo começou a sentir-se
resguardada de tudo o que ainda tinha para viver. Para além desta sua habilidade,
a recém nascida demonstrou, ainda, ser capaz de aprender imensas coisas num só dia.
Até os engenheiros que mais duvidavam das suas faculdades, por ser ainda tão jovem,
cedo ficaram rendidos à personalidade de Efémera. A fábrica de palavras tinha dado
origem a um ser de coração imenso, leal e corajoso, criado de maneira a ser
impossível alguém poder confundi-la com uma outra palavra.
Efémera foi construída para durar muito para além dos tempos,
para subsistir para além da era dos mortais, para trabalhar com gosto e afinco e
comportar-se de acordo com as histórias e as memórias de quem tinha de
imortalizar. Ela seria o sopro com o qual os mortos se eternizariam e venceriam
as banalidades das coisas vulgares.
Com algum dramatismo, a nova palavra foi de imediato batizada
de Efémera! Graciosa, bendita, última palavra nascida, com sorte tamanha, no
segundo antes da Grande Destruição. Importava mantê-la ativa, pois tudo
dependia daquilo que Efémera viesse a registar - as vidas das almas, os sonhos
das almas, e os mundos mais difíceis de conhecer.
Efémera! Jovem palavra amiga, alma gémea com quem todos
gostariam de conversar. Abraçá-la, sentir-lhe o coração aos saltos dentro do
peito, um coração capaz de amar verdadeiramente, esse era o desejo de qualquer mortal.
O princípio da vida de Efémera foi solto e tonto como
só os inícios de vida das palavras conseguem ser. Foi despreocupado, desprendido.
Ela nasceu para ser a expressão imaterial de todas as almas, mesmo das mais
desinteressantes e horríveis, das não esforçadas, das ingratas, mesmo das
perdidas.
Existir dentro da alma de alguém que procurava reencontrar
nela a sua casa, como se Efémera fosse a materialização do corpo físico de quem
a desejava, proporcionava-lhe uma estranha sensação de alívio.
- Que sonhos são estes, estranhos pensamentos não
totalmente perdidos à nascença? Que dúvidas são estas que ainda não sou capaz
de decifrar? As diversas imagens criadas pela mente obrigam-me a constatar o
óbvio: tudo o que vejo enquanto durmo mais não é que uma imensa ficção,
inevitável para encontrar o meu rumo, o meu caminho.
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