Que prosa é esta a que
assisto se lá fora as nuvens refratam todas as cores? Trágico é estar sentado a
assistir ao espetáculo pela janela, mais trágico seria não registar em prosa a
externa coisa de mim. O quadro mostra o azul do céu, nuvens a mudar de cor,
casas antigas e desabitadas, árvores a bailar ao ritmo tranquilo da tarde
outonal, parágrafos de pensamentos antigos reconstruídos ao acaso, séries descompassadas
de palavras, folhas secas que ainda vivem ao voar, o verde húmido da vegetação
iluminada pela luz morna do sol, a ponte geométrica, a serrania que cerca a
cidade, arruamentos, viaturas, aves e um alarme que toca, matriz invisível
construída para me orientar. Dentro de minha cabeça soa a campainha e eu abano
em plena tarde, inconsciente. Continuo vivo a fazer parte deste sonho, a vida
ao acaso, cada vez mais cansado, e a escrita desfaz o sentido das coisas,
destrói o contentamento de me sentir real, não quero ser real mais uma vez.
Penso, leio, escrevo o
texto inventado. Tento encontrar sentido para os ritmos da destruição humana, o
universo envergonhado contempla-nos enquanto seguimos robóticos o caminho da
ravina. Eu estou nessas imagens, vou ficando menos alma, mais tinta de pena
seca e resignada, mais sombra sem verdade, e volto de novo a mim e ao quadro
que vejo da janela da sala. Traço a régua e esquadro a razão de estar aqui, mas
porquê se o que quero é só dormir. Que utilidade têm estas palavras que me
acompanham? Falho, pasmo, escrevo o falhanço prodigioso que em mim se anuncia,
gigantesco e louco, e o elemento vital da minha loucura é esta satisfação
tardia que floresce em letras de palavras que ninguém irá escutar.
O sol brilha na tarde esculpida
em ternura e eu para aqui, lúcido e tristonho, a erguer despropósitos
espirituais. Estou falido de inspiração e procuro ânimo nos sonhos de noites
mal dormidas. É lá que passo as horas indeléveis dessas aventuras que acabo por
esquecer. Prefiro esse lado onde as rosas florescem em canteiros circulares e
os mistérios se esbatem ao redor dos quintais do meu contentamento. Esse é um
mar interior onde não existe sonolência nem desprazer, de um azul igual aos
sonhos azuis da cor do céu onde voamos, de pés não assentes na terra, menos
abstratos, muito maiores, muito mais possíveis. O tempo não se gasta
exageradamente, não se abandona, exausto, num cárcere indeterminado. Aí somos
poetas viajantes em caminhos de ferro dourados, avançamos na viagem em carruagens
sensíveis e azuis, sem peso nem tristeza, capazes de abrir as portas das nuvens
que amámos na infância e que agora mesmo voltamos a atravessar. Sim, os sonhos
são as coisas boas da vida onde passeamos, e no exato momento em que o coração
se sente menos desterrado, acordamos novamente no chão do quarto como mendigos
que somos, não azuis, de faces lívidas e nervos destroçados.
Este presente é a terra
do nunca, onde passou esse tempo que não tornaremos a ter? Mago…evocaste quem
foste e nunca mais serás, o que tiveste e não tornarás a ter, mas como o
fizeste se a tua alma física se esfriou? Chorei e depois sorri. Sou um louco
desmiolado, o Mago meu camarada nunca se evocou, e muito menos a sua alma
física se esfriou, pois não existem almas físicas de mendigos atormentados, não
existem almas físicas, ponto!
Gastei quase duas horas
a descobrir estas imbecilidades. Agora as nuvens lá fora são douradas como as
carruagens maravilhosas desses sonhos onde viajamos. Dói-me o peito por não
saber das chaves com que se abrem as portas deste céu. Somente o Mago soube
esculpir em palavras o verdadeiro sofrimento que é conseguir escutar os passos do
tempo. Treze linhas de um só parágrafo chegaram, e num repente se fez minha a
sua dor.
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