quarta-feira, 16 de novembro de 2016

34 - A MINHA VIDA INTEIRA



Serei hoje o mesmo que era? O Mago questionava o seu grande progresso pois sentia-se o mesmo que tinha sido a poucos passos da sua adolescência. Esse mistério desvirtuava-o e oprimia-o. Tinha avançado no tempo para ser apenas aquilo que já era. Assistimos a constantes devaneios do pensamento, isto que aqui escrevemos, já outrora o escrevemos, recordamos o labirinto onde nos extraviamos, e dos dias presentes fica apenas o somatório dos seus ontens e amanhãs. Seremos sinceros ao assumirmos a nossa descrença? Admiro tudo o que é instintivo, a sinceridade é mais verdadeira quando surge instintiva, expande-se com naturalidade e flui alegremente. Depois surgem as palavras e as vidas dos outros, canais emotivos que orientam a secura destas metáfrases, quase devaneios decalcados em um tempo de emoções que não as minhas. Habituei-me a acontecer assim, para além do espaço material onde me adapto, desdobro-me em interpretações sherlockianas de personagens que depois classifico consoante as essências requintadas das suas não emoções. A multidão de seres amorfos segue apressada pelos passeios apinhados, e eu no meio deles faço ranger a pena com que escrevo estes pensamentos acabados de raptar. A minha fisionomia altera-se profundamente quando percorro esses espaços e finjo viver no mesmo tempo das figuras que analiso. É um mister incoerente, um sonho onde me sinto o ninguém sinistro que supõe absolutamente nada. Penso que não escrevi ainda, sou um alienígena sem caráter que reencarnou nestas águas brancas para praticar conversas inexistentes. O Mago está ao meu lado, etéreo, escreve com a mesma emoção de sempre, pensa sempre, sente sempre, é a figura principal do meu romance desfeito, rodopiamos os dois ao som de músicas ainda por compor, em palcos geométricos inacabados.
O Mago dava a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma, e eu, o que faço, e o que faço aqui? Sinto as coisas todas à minha maneira, da mesma forma que ontem acontecia, a viajar constantemente em corpos imaginários por descrever. Faço-o com serenidade, o que por vezes me assusta, regresso depois a mim para interpretar com clareza o teor das palavras, que não são minhas, são outras minhas formas de pensar. Se estou vivo tenho por obrigação manter a conversação com o Mago, mesmo se não obtiver respostas, mesmo sabendo que ele é mais pessoa de pensar. Anteontem visitei o exato lugar onde o Mago dorme, a pedra diante de mim, em frente a ela cantou-se uma canção. As suas palavras ecoaram, cantadas pela voz de uma criança, pelo claustro imaculado. Um sorriso chegou de um outro mundo, e iluminou o monumento e as almas que ali as escutaram diante da pedra, no exato lugar onde repousa o Mago. A mesma terra que pisou, os mesmos ares que respirou, a arquitetónica forma visitada por ele vezes sem conta, e nós ali, nós todos e ninguém, esse foi um sonho que lográmos realizar.
O divino é o agora, a partícula infinitésima do nada onde respiramos, qual nada, qual estado, todas as sensações possíveis e impossíveis, é a mão que afaga a forma que cria e ama, é o corpo de quem se ama, é o ser isto tudo, todos os sonhos realizados e por realizar. Há sempre qualquer coisa de divino neste ser que julgamos habitar, um vestígio de vento possibilita-nos acordar para escrever, todos os dias. Acordar no fim de tudo isto para voltar a escutar as palavras sábias do Mago, e repetir os mesmos gestos de maneira igual, vezes sem conta, até que alguém possa visitar o lugar onde adormecemos para aí escutar uma canção composta com palavras nossas, ajudar a fazer crescer a consciência dos outros que somos nós também.
Estou suspenso de mim…
Na escuridão, a luz interior emociona-me e suspende-me os dias.
Durmo mais um pouco ao ritmo instintivo da morte anunciada. Não sei mais escrever, nem sei mais o que escrever. Tudo me soa igual, tudo é o mesmo organismo viscoso somatório de meus poemas. Foi isto que me ocorreu.
Estou estagnado de mim… 

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