Serei hoje o mesmo que
era? O Mago questionava o seu grande progresso pois sentia-se o mesmo que tinha
sido a poucos passos da sua adolescência. Esse mistério desvirtuava-o e
oprimia-o. Tinha avançado no tempo para ser apenas aquilo que já era.
Assistimos a constantes devaneios do pensamento, isto que aqui escrevemos, já
outrora o escrevemos, recordamos o labirinto onde nos extraviamos, e dos dias
presentes fica apenas o somatório dos seus ontens e amanhãs. Seremos sinceros
ao assumirmos a nossa descrença? Admiro tudo o que é instintivo, a sinceridade
é mais verdadeira quando surge instintiva, expande-se com naturalidade e flui
alegremente. Depois surgem as palavras e as vidas dos outros, canais emotivos
que orientam a secura destas metáfrases, quase devaneios decalcados em um tempo
de emoções que não as minhas. Habituei-me a acontecer assim, para além do
espaço material onde me adapto, desdobro-me em interpretações sherlockianas de personagens que depois
classifico consoante as essências requintadas das suas não emoções. A multidão
de seres amorfos segue apressada pelos passeios apinhados, e eu no meio deles
faço ranger a pena com que escrevo estes pensamentos acabados de raptar. A
minha fisionomia altera-se profundamente quando percorro esses espaços e finjo
viver no mesmo tempo das figuras que analiso. É um mister incoerente, um sonho
onde me sinto o ninguém sinistro que supõe absolutamente nada. Penso que não
escrevi ainda, sou um alienígena sem caráter que reencarnou nestas águas
brancas para praticar conversas inexistentes. O Mago está ao meu lado, etéreo,
escreve com a mesma emoção de sempre, pensa sempre, sente sempre, é a figura
principal do meu romance desfeito, rodopiamos os dois ao som de músicas ainda
por compor, em palcos geométricos inacabados.
O Mago dava a cada
emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma, e eu, o que faço, e o
que faço aqui? Sinto as coisas todas à minha maneira, da mesma forma que ontem
acontecia, a viajar constantemente em corpos imaginários por descrever. Faço-o
com serenidade, o que por vezes me assusta, regresso depois a mim para
interpretar com clareza o teor das palavras, que não são minhas, são outras
minhas formas de pensar. Se estou vivo tenho por obrigação manter a conversação
com o Mago, mesmo se não obtiver respostas, mesmo sabendo que ele é mais pessoa
de pensar. Anteontem visitei o exato lugar onde o Mago dorme, a pedra diante de
mim, em frente a ela cantou-se uma canção. As suas palavras ecoaram, cantadas
pela voz de uma criança, pelo claustro imaculado. Um sorriso chegou de um outro
mundo, e iluminou o monumento e as almas que ali as escutaram diante da pedra,
no exato lugar onde repousa o Mago. A mesma terra que pisou, os mesmos ares que
respirou, a arquitetónica forma visitada por ele vezes sem conta, e nós ali,
nós todos e ninguém, esse foi um sonho que lográmos realizar.
O divino é o agora, a
partícula infinitésima do nada onde respiramos, qual nada, qual estado, todas
as sensações possíveis e impossíveis, é a mão que afaga a forma que cria e ama,
é o corpo de quem se ama, é o ser isto tudo, todos os sonhos realizados e por
realizar. Há sempre qualquer coisa de divino neste ser que julgamos habitar, um
vestígio de vento possibilita-nos acordar para escrever, todos os dias. Acordar
no fim de tudo isto para voltar a escutar as palavras sábias do Mago, e repetir
os mesmos gestos de maneira igual, vezes sem conta, até que alguém possa
visitar o lugar onde adormecemos para aí escutar uma canção composta com
palavras nossas, ajudar a fazer crescer a consciência dos outros que somos nós
também.
Estou suspenso de mim…
Na escuridão, a luz
interior emociona-me e suspende-me os dias.
Durmo mais um pouco ao
ritmo instintivo da morte anunciada. Não sei mais escrever, nem sei mais o que escrever.
Tudo me soa igual, tudo é o mesmo organismo viscoso somatório de meus poemas.
Foi isto que me ocorreu.
Estou estagnado de mim…
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