A transparência esmaga
a alma incógnita, tão sozinha, do que fui. Antes a duração dos dias era
diferente, possuía uma ansiedade infantil própria da idade, ocultava as emoções
em sorrisos enganadores. A esperança era constante, os segredos alimentavam-na
e o mar soava em ondas que se desfaziam no escuro das noites atribuladas em que
crescíamos. A voz dizia as coisas que eu pensava, confidente em todos os instantes,
e a espuma da onda enrolada crepitava na areia molhada antes de esfriar. Lembro-me
desse instante, dos pés enregelados a receber a dádiva ao entardecer, e da voz
que vinha do mar. Parou-me o coração com a mensagem daquilo que preferia não
ter escutado. Estava ali, já não estou ali naquela praia, sou agora este outro as
noites todas, uma desolação de espírito onde existo e mergulho, consciente de
mim, consciente de todas as dores inclinadas e irritantes. Estou aqui e não
penso em outra coisa, colho estas conversas distantes como a criança inoportuna
que já fui, e sinto que tudo é cada vez mais igual e repetido, uma narrativa
dolorosa de emoções pungentes, insatisfeitas, canções negras compostas por
poesias incompletas e desconsoladas. Estou mais pálido do que ontem, uma
figuração translúcida da sombra onde habito e de que sou construído, sou o
condenado, o elemento grotesco onde se fixaram cansaços incompreensíveis, e
todos os homens serão iguais a mim, perdidos em quartos escuros, caos
monossilábicos de coisa nenhuma. O silêncio é esta pedra triste que ecoa como o
som de quem chora, e a tristeza do Mago regressa a mim, a sua forma de
entendimento que era o caos de coisa nenhuma…
Dói-me a emoção perdida
de maneira incompleta. A loucura atingiu os desertos onde passeei, tão vazios,
tão incompreensíveis, e eu resvalei pelas dunas românticas, altas como cordilheiras
maduras. Ali perdi minha essência nómada, minha íntima riqueza, foi essa
tragédia quem me concebeu e me devolveu a aparente normalidade que aprendi a
vestir. Sou protagonista inútil deste mistério complexo, extenso e
infinitesimal, onde a humildade vive liberta, a independência abre-se em flor,
e os pensamentos desaguam em mares profundos e contemplativos. Escrutinei o
mistério que abre intervalos na vida real e insignificante, ousei fazê-lo em
pensamentos que registei, iguais a estas palavras aparadas, repentinas, a
pulsar na folha entorpecida. Aflorei os contornos da poesia muda que deu cor
aos meus desenhos de criança. Isolei-me para provocar uma translação nos ossos
e nas carnes, e a náusea cresceu em mim.
Fiquei possuído por
ela.
O cansaço instalou-se, arrancou
a raiz mais profunda ao pensamento e assassinou a imaginação do meu outono
trajado de verão.
Estou com mais fome do
que sono, uma fome com sabor a sono guia a insegurança mitológica da minha
falsidade. A viagem prolonga-se numa indefinição assustadora, e um mal-estar físico
consubstancia as diferentes partes de mim. Revejo o futuro do meu passado,
imperador soberano, dono das minhas frases por inteiro. O universo nunca
nasceu, e nunca morrerá, é ele quem inunda as prateleiras frias e cinzentas dos
meus suores, é magnânimo, a morte horrível não existe nele, nem os nascimentos
atribulados ou felizes, nada que seja morte ou nascimento de coisa pálida ou
retilínea ali ocorre, o vácuo infinito perpetua-se nas manhãs esperançosas que
cortejam o manto de negrume, única coisa que conheceu das vastas planícies
deste nosso nada.
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