A descrença foi
globalmente adotada como uma das principais atitudes da espécie humana, o que
tem vindo a criar individualidades informes e amorfas. A ideia fundamental é a
de gerar espíritos maleáveis e desalentados, decalcados de um modelo argiloso
antigo e decadente onde a lucidez e a objetividade sejam banidas do sistema.
Foram criados milhares de milhões de seres parasitários que neste preciso
instante invadem as nossas consciências deformando-nos a alma e as emoções.
Este contínuo devaneio perpetuar-se-á até ao limite, até que se derrame a
última gota de lucidez do último de nós. As cascas de nossos espíritos ficarão espalhadas
ao relento. A ignóbil e requintada operação desdobra-se em várias fases, e
adota diversos estratagemas sempre orientados para o mesmo fim. Os canais biológicos
foram classificados, os agentes ambientais foram unificados e a fisionomia dos
vírus e das bactérias foi alterada para se adaptarem, com rapidez, a todas as
realidades. Invadem os sonhos e as consciências e as almas, num repente
sinistro, e nós sem pensar e sem querer, sem coração, sem sintonia ou brilho ou
rastro do somatório do que já fomos… apenas vertigem ilusória, um buraco
incompleto rasgado por raciocínios aleatórios a boiar no vazio absoluto.
Caímos sem jamais
reencarnar.
…
Vácuo
… oceano infinito
rastros luminosos … a
boiar no vazio absoluto.
… Mago? … és tu, meu
amigo? Preso nesta queda?
… és o centro desta
geometria que faz sorrir o inferno?
…
A maleita espalha-se e
a humanidade só tem diabos sorridentes a flutuar, como nós, nesta amálgama
rodopiante onde não existem centros.
Ninguém pensa, ninguém
sente, nada mais há para conhecer, as almas morrem devagar, demasiado cedo,
insensíveis a tudo menos à dor. Romeu matou-se, Julieta suicidou-se após o
beijo final ao cadáver do amante para sentir o amor de todas as maneiras, e o
poeta ímpar e sensível contou a história ao estilo dessa época, que ainda é a
época de agora. A esperança cedo é derrotada, e depois nada mais resta senão um
fingimento tático que nos permite montar a cavalo estas nuvens negras do
desalento e da fome. Amemo-nos, o destino de todos é a reposição do amor sem
fingimento, reaprender a usar todas as sensações, todos os ideais, espreguiçar
os tentáculos até ao limite das formas possíveis e impossíveis da matéria desse
corpo moldável em que nos transformámos, e só com o amor nos salvaremos.
O Mago riu-se, e gritou,
ao longe: - “Sentir é uma maçada”…
Ele adora contrariar as
teses de quem é plebeu e inocente, e eu caí em mim. Sou verdadeiramente
estúpido, o vírus não pode ser derrotado, é tarde demais. Esqueça-se essa
palavra, omita-se a coisa viscosa com trejeitos de sensibilidade. A essência do
amor é bem diferente das conversas que alimentam estas páginas vazias. Ai de
mim, ai de nós, ai dos sonhos que não logramos concretizar. O universo inteiro
destruído por uma pitada de sal e pimenta! Matou-se o amor, aniquilou-se a
simples possibilidade da sua existência, desagregou-se o sentimento mais puro com
esta descrença endémica, este parasita da não sobrevivência.
“Sentir é uma maçada” –
devolveu-me o Mago a sua frase antes do capítulo acabar. Hoje foi doloroso
recordá-lo pois ele criou em mim um vazio difícil de suportar.
O Mago derrotou com
extrema facilidade a essência do meu poema shakespeariano.
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