terça-feira, 6 de dezembro de 2016

39 - VIDA



O Castelo onde sonhamos fica entre a terra e o céu, possui um fosso imenso que marca a distância que isola mais do que aproxima na direta proporção da ponte levadiça que permite alcançar o espaço interior onde o som das palavras se refletem, desentendidas de mim. Lá dentro há bruxedos incompletos a infligir maus tratos continuados, e a sensação de desconforto é transferida para os corpos que nos pertencem.

Permaneço insatisfeito, o mistério do meu universo é impossível de desvendar. Sento-me a teu lado e aproximo-me de ti, mais do que ontem. Estamos mais próximos um do outro, para renascermos, subitamente, insatisfeitos pela distância que nos separa.

Penso em nós antes da chegada do inverno, os pensamentos mitológicos guiam a esperança dos deuses que em mim habitam, figuras que não são minhas, e o ceticismo derrete-se insatisfeito num poço de saudade. A muralha do castelo ficará soterrada na antiguidade da sua beleza perene, com a lua mais alta, a maior de todas as luas, a iluminar essa parede impossível que nos transformará.

As leituras sem razão nem lógica pertencem a um futuro impossível ao qual talvez nunca pertenceremos. O desgosto aumenta por ainda não sermos as pessoas que desejamos. A natureza improvável desse sonho inconcebível é o que ambicionamos alcançar. Estou com sono, com tanto sono de nós, aposto que dormiremos na mesma cama esta madrugada, lançando ao vento as sementes que nos foram ofertadas por sobre as matérias fúteis de todos os dias.

O tempo corre e o sonho também, e o futuro incerto fica afastado, pobre, sensível e antigo.

Dispo-me e repouso cada vez menos.

Acordo a meio da noite sem conseguir voltar a adormecer, perco a sensibilidade do corpo, digo adeus ao peso que deixei de possuir. Volto a ser recebido por este chão velho de madeira onde passeio os pés descalços e gelados. Subitamente a guerra termina e o meu castelo destruído e sem esperança mais não é que um amontoado de granito angustiado.

Quero ser capaz de sonhar com um futuro menos insuportável, mais global e definido, um imenso conforto de coisas nítidas e carinhosas, coisas não vagas, coisas menos secretas que o tédio moribundo que nos esmaga, sufoca e aprisiona.

Fingimos até o tédio que sentimos ao fingir.

Fingimos tanto que o fingimento se tornou mais verdadeiro que o próprio ato de sentir o tédio mentiroso.

O que é verdade é o que escutamos ao fingir.

Somos iguais, todos iguais, todos oprimidos nos mesmos pensamentos repetidos e perpetuados até à náusea.

Celebra-se o glorioso cinzentismo e o negrume da nulidade onde bebemos as fraquezas destes seres automáticos em que nos transformámos.

Sonho com os sapatos calçados, muito apertados. Oprimem a respiração e a naturalidade com que as palavras deveriam nascer. Ergo a cabeça para obter a imagem correta na leitura tardia que faço das palavras novas que nascem por aqui. Mago, a tua linguagem talvez seja incompreensível, os teus sentimentos talvez ainda estejam por definir… mas os teus universos participam um cansaço semelhante ao meu mal-estar, e o oxigénio começa a faltar-me por cima de tanta liberdade ainda por acontecer.

Onde poderemos encontrar o princípio do fim?

Liberdade e imperfeição, cansaço, tédio, velocidade, aborrecimento do mundo, formas absolutas de aspirar a um método de escrever onde as sensações mais carnais e instintivas se cumpram, não apenas em privado, não apenas em sonhos inexistentes, mas principalmente na dor suprema de nos gravarmos em palavras puras de dimensão imperecível.

O muro do meu castelo impede-me de avançar, algema granítica e controversa, fala comigo, acorda-me, … mas como se ainda não me fui deitar? Só existirei se conseguir derrotar esta força que me tolda os movimentos e me impede de ficar mais azul do que a água cristalina do lago que espelha o céu.

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