O Mago observava velhos sonhadores que passeavam, oscilantes, do outro lado do passeio. Pratico a mesma tarefa solitária de vislumbrar os viajantes que atravessam espaços próximos de mim, estou inerte e atento, medito um pouco mais com os seus passos até desaparecerem da minha vista, até me saírem da atenção. Agora mesmo estou inerte a pensar tudo isto, devo a mim próprio a necessária dolência para construir este fio de raciocínio que se espalha como as nódoas da toalha que ficou por sacudir. Estas palavras são migalhas que enchem a gaveta da cómoda antiga, perdidas no fundo gasto pelos anos em que lhe deram uso e se esqueceram de a limpar. Pobres companheiras de versos banidos a tremeluzirem, omissas e desprezadas, heroínas sedutoras que talvez ninguém venha a descobrir.
Estou a ficar cada vez
mais cansado e sem vitórias para saudar. Apetece-me fugir à pressa para um
outro lugar onde pudesse acordar e escrever semanas inteiras sem parar.
Continuadamente as palavras nasceriam sem travão e sonhariam mais alto do que
as anteriores, seriam a tropa de um exército galopante em que milhões de
soldados combateriam a asfixia da alma com uma literatura sedutora e
enraivecida. As esquinas inexistentes onde habitam os inimigos da inércia
derreter-se-iam à sua passagem e todos os mundos seriam acrescentados de
felicidade porque lhes seria servido um sonho sem morte ou ilusões.
A felicidade existe
porque o sonho existe e o abismo onde aprisionaram as dúvidas será por eles
derrotado. Vejo o início dessa batalha com a mesma clareza com que as palavras
surgem, relampejantes, na falsidade esbranquiçada da folha onde acontecemos.
Inconsciente, afago e afogo-me nestas migalhas esquecidas que fitam a vida dos
outros com estremecimento. A lógica desvanece-se com o nascimento das palavras,
com o nascer do dia, com a manhã quente e morna deste dezembro assombroso de
azuis intensos onde minhas pálpebras descansam. A oriente vejo raiar o dia
pacífico.
Não entendo porque
estamos aqui, duvido que esta paisagem agora fria nos pertença e nós a ela. Que
vida é esta, que impérios do nada fundamentam a mesquinha realidade? Somos
gloriosos piratas derrotados por Césares vingadores, os abismos da desgraça
engoliram as galeras imperfeitas onde navegávamos e a promessa de existirmos
num mundo melhor acabou ao raiar do dia. - Para Oriente! Avancemos em direção a
Oriente! Tomemos de novo as rotas mareadas pelos nossos antepassados antes da
completa e total estagnação do universo, sejamos outra vez heróis nada
monótonos, antecipemo-nos aos adversários e inimigos, aos tiranos e a todos os
outros seres humanos que, como nós, procurem desesperadamente por aventuras.
Antes dos cérebros degenerarem e começarem a divagar verdades inconcebíveis,
tiremos partido das paisagens azuis em que os contrastes perenes são,
porventura, o que de mais sublime a mãe natureza imaginou.
Desci a mim e voltei a
sentir o sono perpétuo que me sustenta o corpo.
Esqueci-me das
palavras, a bebida ajudou-me a apressar esta sonolência constante que acabou
por tomar conta da minha mão sonâmbula. Oferenda quase trágica, tão doce e
perfumada, quente oferenda que me pesa nas pálpebras e me envolve o corpo numa
bendita embriaguez.
Desceu a noite durante
a viagem, não sei se por magia, não sei se por maldade, desceu e espera que
mais uma vez a ela sobrevivamos. É uma esperança sempre renovada, despertar
depois de adormecer, acordar a alma cansada, por debaixo de estrelas repousada,
sobreviver ao nada, do nada e por nada, fitando as constelações esperançosas
que nos alumiam a viagem e a lucidez.
Loucura, agonia,
rituais, ideologias, a Humanidade posta perante fórmulas e lógicas e normativos
estruturantes onde as liberdades deixaram de ter lugar ou posição. Excessos de
linguagem, próteses ingénuas para contextos e referenciais grotescos, prefiro
um bom zapping e viver sem nada saber
desta decadência alucinada da espécie humana. - Para Oriente! Avancemos em
direção a Oriente! Tomemos de novo as rotas mareadas pelos nossos antepassados
antes da completa e total estagnação do universo, sejamos outra vez heróis nada
monótonos, antecipemo-nos aos adversários e inimigos, aos tiranos e a todos os
outros seres humanos que, como nós, procurem desesperadamente por aventuras.
Antes dos cérebros degenerarem e começarem a divagar verdades inconcebíveis,
tiremos partido das paisagens azuis em que os contrastes perenes são,
porventura, o que de mais sublime a mãe natureza imaginou.
Sim, gritei uma outra
vez, soprei aos sete ventos a mesma mensagem surreal e fiquei contente com o
sangue derramado neste deserto ao qual pertenço, tão intenso e profundo e
desconhecido.
Antes de voltar a
adormecer, contemplo a estética performativa do capítulo que hoje cultivei. Sem
o tomar por coisa séria, pois nada é sério, tudo é falacioso e meramente
contemplativo, escuto o Mago Fernando a dizer-me que o devo fazer lendo bem
alto para proporcionar a plena objetividade ao prazer subjetivo da leitura.
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