O céu, amarei para sempre
este céu de um vago janeiro onde viajo, onde a paisagem amortece a queda das
palavras que hoje ainda não escrevi. Passeio o olhar pela auréola de tons onde
a luz de um sol intenso vibra, apesar da tarde fria. Neste oceano nada é
tristonho, o dourado enfeita as colinas e fachadas dos edifícios antigos onde a
história de outros tempos permanece, melancólica, nas paredes e pavimentos, nas
escadarias e ruelas, nos telhados e varandas, nos pátios e nas amuradas da sé
catedral desta cidade onde habito. As casas todas pintadas de branco, os
telhados avermelhados, a linha do horizonte a pairar a norte, o perfil
monástico do mosteiro, a oeste, e aqui bem perto a faculdade centenária onde
fantasmas sorridentes pairam, absurdos, hoje menos angustiados do que ontem, a
recordar viagens de outrora.
Fantasmas, viajaram
mais do que nós, partiram e visitaram outras terras, outras gentes, mas não
podem comunicar nada do que viram, nem podem ensinar o sentido das suas
experiências pois tal seria inútil. O Mago é o único fantasma que consigo
escutar. Antes de o ser, acautelou a sua despedida e mediu na exata proporção o
peso inteiro de suas palavras. Este sol de hoje, foi ele quem o decidiu
partilhar connosco, por algumas horas, e eu pergunto-me se esta luz é real, se
não passa de mais uma ilusão que decorre do simples facto de eu estar vivo e o
Mago ser bem mais rápido do que eu a raciocinar.
- Viajei sem qualquer
quantidade de medida de tempo. Viajei onde o tempo se não conta por medida. Eu
parti? Eu não vos juraria que parti…
Mago, partiste pelo
crepúsculo, tu próprio o escreveste, e todos os outros símbolos que apenas
deuses poderão compreender. Não importa, ao recordar as tuas palavras arranho
os telhados desta paisagem que se estende diante de mim e recordo-te, eu que nunca
te vi, pois és a luz desta tarde de inverno, esta luminosa e resplandecente
evidência que fulge por toda a parte. Ocultaste a esperança de ti, inutilmente,
mas és agora toda a esperança do mundo. Todos os continentes estão moribundos,
têm os seus dias contados e não sabem como se irão reinventar. Notícias de
guerra sonhadas e por sonhar começam a ser escritas, para além das que estão a
acontecer, e de todas as que acontecem sem que ninguém as noticie. É como se
fossem impossíveis terras de ninguém, lugares ocultos que esmagam pela sua
invisibilidade, e para que me contas tu isto, Mago, para que me contas o que
todos preferíamos não saber?
Escondeste-te atrás da
porta ou debaixo da mesa para que a Realidade não te visse, e venceste-a com
este truque simples, e essa tua infinita capacidade de viajar. Lá fora a luz
colorida permanece quase inalterada, o sol baixou um pouco mais a sua altura e
aproxima-se da parte oriental da paisagem, e a ideia do movimento do astro onde
nos imaginamos acordados atinge-me e eu perco-me por momentos sem saber onde
irei desembarcar.
As palavras de hoje não
são ideias minhas, não as consegui, até agora, imaginar, pois se estou parado a
olhar para o lado de fora da imensa janela do café esplanada onde me encontro.
É o meu amigo Mago que brilha lá fora no céu mais branco que azul. A sua luz é
antiga e tão moderna, renovo as minhas emoções neste convívio mudo que me enche
de pensamentos contraditórios.
Leio a luz acima de
todos os teus livros, e o vento de hoje desaparece, a vida quotidiana protesta
de tão absurda e fútil que é, e fica apenas a paisagem, permanecem estes
telhados de casas velhas com paredes brancas de janelas antigas e histórias
centenárias. Tudo seria menos inútil se gozássemos antecipadamente as
meditações abstratas de um simples por-do-sol.
A tarde abranda e a
luminosidade ganha configurações ainda mais poéticas e Pessoanas. Do meu café
sobre o infinito, no plausível íntimo da tarde que acontece, surgiu-me esta
viagem na cabeça.
De agora em diante este
imaginário será bem mais surreal e inquieto.
De agora em diante o
mundo inteiro estará bem mais perto do fim.
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