O caos permanente
aproximou-se do mundo, a cantar, com o simples propósito de nos provocar.
Jocoso, lançou-se no espaço a entoar uma melodia trémula, arrastada, visceral,
e a respiração dos homens tornou-se ofegante com a malfeitoria. A destruição e
a morte passaram a existir por todo o lado. O poder dos oceanos e dos furacões
é insensível aos desejos dos homens que tombam esfarrapados e sem esperança à
sua passagem. É meio-dia, é meia-noite, é sempre a parte norte ou sul de
qualquer cidade triste, devastada, horrorizada com o caos continuado que aqui
para sempre se instalou.
O caos amontoou
milhares de corpos ao longo das avenidas, satisfeito com o seu poder, pousou-os
num contentamento universal, desde o Sul até ao Norte, da rua direita à rua
esquerda, desde o dia inicial até ao de agora, sem cessar, obediente à única
voz capaz de o orientar. O dia chegará em que o caos será vítima dele próprio e
não entenderá nada do que lhe irá acontecer. Os ventos serão outros, as datas e
as horas e o holofote solene que os iluminará durarão uma eternidade idêntica a
esta desconhecida, e eu gostaria de o poder controlar. Projetaria os sóis desse
objeto na direção das máquinas que fazem movimentar os universos, ajudaria
assim a aquecê-las até que estes pudessem ser embrulhados e oferecidos a quem
melhor os soubesse estimar. Depois sinto vergonha desta espécie de vontade
incontrolável que me assalta o espírito, e desisto de sonhar. Estranhos tempos
estes onde existo e o caos também.
Mais vale continuar a
escrever com as palavras que o Mago escritor despiu naquelas folhas soltas
atiradas diretamente para o espaço sobrecarregado de nuvens paradas. O céu
transparente ficou mais branco do que azul, e eu puxei-as com todas as forças
que conhecia para as amarrar aqui, deste lado da história onde o caos ainda
manda mais do que nós.
Dois mundos separados,
suspensos, silenciosos, e depois um tiro… e outro, e o uivar de cães atiçados à
nossa procura… e ainda mais tiros de caçadores de prémios a desenhar a cor
vermelha numa neve jovem acabada de cair. O silêncio era agora mais frio, e o
universo inteiro ficou suspenso a tremeluzir.
O caos é um avião
militar que faz chover petróleo como se água fosse, e assim bem depressa a
branca neve se enegreceu. A morfina deste caos está guardada numa gaveta escura
ao fundo do escritório, e basta reler essas palavras para um tango ecoar, como
oxigénio, pelo universo caótico de pernas para o ar.
Nós não temos nada,
apesar de tudo possuirmos, um tudo tão pesado e constante que nos corta a
respiração. Às palavras pedimos a ajuda que tarda em chegar. Ressuscitamos em
cada frase inventada, somos órfãos amnésicos de planetas outrora habitados, outras
vidas já experimentadas, amores impossíveis vividos sem respirar em dias sem
fim. Quem somos? Vivemos um prolongamento demorado desse caos inicial que nos
mergulhou nas cinzas inteiras de que nos vestimos. Gosto deste conforto triste
de viver em eras outrora acontecidas construídas por versos onde me insiro, mas
que não são totalmente meus, nem podiam ser. Há uma diferença substancial entre
o meu caos e o do grande Mago com quem converso. Os nossos nulos valem coisas
bem diferentes, são de um abstrato distinto, caóticos, mas onde um é dia, o
outro é noite e aconchega.
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