sexta-feira, 8 de julho de 2016

08 - CAOS



O caos permanente aproximou-se do mundo, a cantar, com o simples propósito de nos provocar. Jocoso, lançou-se no espaço a entoar uma melodia trémula, arrastada, visceral, e a respiração dos homens tornou-se ofegante com a malfeitoria. A destruição e a morte passaram a existir por todo o lado. O poder dos oceanos e dos furacões é insensível aos desejos dos homens que tombam esfarrapados e sem esperança à sua passagem. É meio-dia, é meia-noite, é sempre a parte norte ou sul de qualquer cidade triste, devastada, horrorizada com o caos continuado que aqui para sempre se instalou.

O caos amontoou milhares de corpos ao longo das avenidas, satisfeito com o seu poder, pousou-os num contentamento universal, desde o Sul até ao Norte, da rua direita à rua esquerda, desde o dia inicial até ao de agora, sem cessar, obediente à única voz capaz de o orientar. O dia chegará em que o caos será vítima dele próprio e não entenderá nada do que lhe irá acontecer. Os ventos serão outros, as datas e as horas e o holofote solene que os iluminará durarão uma eternidade idêntica a esta desconhecida, e eu gostaria de o poder controlar. Projetaria os sóis desse objeto na direção das máquinas que fazem movimentar os universos, ajudaria assim a aquecê-las até que estes pudessem ser embrulhados e oferecidos a quem melhor os soubesse estimar. Depois sinto vergonha desta espécie de vontade incontrolável que me assalta o espírito, e desisto de sonhar. Estranhos tempos estes onde existo e o caos também.

Mais vale continuar a escrever com as palavras que o Mago escritor despiu naquelas folhas soltas atiradas diretamente para o espaço sobrecarregado de nuvens paradas. O céu transparente ficou mais branco do que azul, e eu puxei-as com todas as forças que conhecia para as amarrar aqui, deste lado da história onde o caos ainda manda mais do que nós.

Dois mundos separados, suspensos, silenciosos, e depois um tiro… e outro, e o uivar de cães atiçados à nossa procura… e ainda mais tiros de caçadores de prémios a desenhar a cor vermelha numa neve jovem acabada de cair. O silêncio era agora mais frio, e o universo inteiro ficou suspenso a tremeluzir.

O caos é um avião militar que faz chover petróleo como se água fosse, e assim bem depressa a branca neve se enegreceu. A morfina deste caos está guardada numa gaveta escura ao fundo do escritório, e basta reler essas palavras para um tango ecoar, como oxigénio, pelo universo caótico de pernas para o ar.

Nós não temos nada, apesar de tudo possuirmos, um tudo tão pesado e constante que nos corta a respiração. Às palavras pedimos a ajuda que tarda em chegar. Ressuscitamos em cada frase inventada, somos órfãos amnésicos de planetas outrora habitados, outras vidas já experimentadas, amores impossíveis vividos sem respirar em dias sem fim. Quem somos? Vivemos um prolongamento demorado desse caos inicial que nos mergulhou nas cinzas inteiras de que nos vestimos. Gosto deste conforto triste de viver em eras outrora acontecidas construídas por versos onde me insiro, mas que não são totalmente meus, nem podiam ser. Há uma diferença substancial entre o meu caos e o do grande Mago com quem converso. Os nossos nulos valem coisas bem diferentes, são de um abstrato distinto, caóticos, mas onde um é dia, o outro é noite e aconchega.

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