Nas horas vazias em que
existe algo mais do que coisa nenhuma, o meu nada sobressai do centro deste
sonho inexistente, sensação imaterial e externa de mim que não posso alterar
nem substituir, mas que se confessa nessa outra parte de quem sou. Admito a
minha incapacidade de compreensão de tão complexas questões. Este ser que sou,
a preto e branco, é substituído por uma cópia noturna colorida. Os sonhos
possuem cores, destacam-se da realidade cinzenta e da monotonia pálida dos
dias. É nos sonhos que a paz sobrevive, que nada é inútil, o sossego não é
apedrejado com violência, os espíritos conseguem argumentar diferentes
filosofias e raramente sentem vergonha em reconhecer. Tudo é ilusão
inconsciente, um entendimento suave abre novas portas e os reflexos que delas nos
chegam são histórias inéditas às quais sempre pertencemos. As que caem no
esquecimento ainda estão a ocorrer debaixo de um luar dourado, são desertos de
um tempo distante aqui tão perto. Não se pode comprar o sonho, nem o tempo
breve e vago em que acontece, com as medidas estipuladas pelos que o praticam.
Um sonho não é comparável a coisa alguma, apesar das lembranças de eventos já
acontecidos neles se espelharem com insana regularidade.
O sol hoje nasceu com a
mesma rapidez, abriu a paisagem e até agora passeou a sua nobreza pelo azul
límpido do céu. Vagueamos, como nómadas cansados, ao som inaudível do astro
emocionante. Vemos como quem não pensa, e avançamos, absurdos e inúteis, pela
bruma que antecedeu o nascimento da estrela que nos aquece, sem pensamentos ou
emoções. A fadiga endémica tomou conta dos corpos dos penitentes a quem tanta
falta faz sonhar.
Pensar é mais pesado
que a própria abstração de inventar palavras pesadas para pensar. Sentir que
escutamos esses sons chegados de longe, onde o ar somente ajuda a encontrar
receios para não mais regressar. Pressa, não deve existir, de todo, quebra a
concentração necessária para a decifração das mensagens que nos chegam nas
horas vazias povoadas de descansos. Pressa, não deve existir, a sua voracidade
derrota a compreensão dos sonhos onde podemos caminhar, atrasa a perceção
simbólica dos sinais e passamos ocos pelo intervalo de coisa nenhuma. Crescemos,
absurdos e ocos, apressados, sem sentir as linhas dessa fronteira que
enclausura a realidade atrás de portas feitas de espelhos cristalinos. O
apocalipse não vive do lado de lá, antes escorre deste lado da vida absurda
para onde acordamos sempre que a luz do dia se espreguiça e nos cega, carregando-nos
para o lugar das névoas absolutas.
Parte de mim cegou.
Cedi à insignificância de ser mais real que ficção, cedi, sou agora bem menos
misterioso do que a alma que ainda me alimenta a esperança em conseguir
interpretar esse algures onde também pertenço.
Durmo, regresso para lá
dessas portas envidraçadas à espera de subir de novo a casa, ilusão maior, que
não só minha.
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