segunda-feira, 13 de março de 2017

55 - INDIFERENÇA



Quanto esforço, quanto tempo perdido, quanta incerteza a cada estado de alma, dolorosa incerteza possuir esta certeza absoluta de escrevermos mal. Esforço inglório, realização inferior e grotesca dramatização. Eu ouço-Te Mago, e agora conheço a Tua tragédia. Restam as crianças porque dizem como sentem e não como se deve sentir, definem sem rodeios toda a sua literatura.
Dizer, saber dizer, saber como dizer e o que dizer, saber existir pela voz da escrita, poder voltar a ser uma criança à beira de chorar, a mesma criança literária que tão bem definiu a sua espiral.

Tudo isto é quanto a vida vale.

O que resta são bichos, gente a remexer-se como bichos quando se levanta uma pedra, que bela esta Tua imagem no meio de tanto desassossego.
- Exato, devolveste-me a lembrança desse Pedregulho abstrato do céu azul sem sentido!

Eu e o Mago sorrimos debaixo deste céu cinzento sem sentido, salvação ilusória e momentânea da sordidez de sermos ou já não sermos… pois se apenas na arte gozamos e entendemos tudo que nos delicia sem que seja ( de verdade ) nosso – “o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objetivo.”
Eu e o Mago sorrimos, como dois patetas, debaixo deste céu cinzento sem sentido, salvação ilusória e momentânea da sordidez de sermos ou já não sermos. Eu e o Mago ainda lá estamos a sorrir, como dois perfeitos patetas.
- Tu, que sabias que na vida transitória nada eras, e escreveste um dia que podias gozar a visão do futuro ao leres essa página, pois efetivamente a escreveste, e podias orgulhar-te, como de um filho, da fama que terias, porque, ao menos, terias com que a ter.
- Sim, e também escrevi que a glória não é uma medalha, mas uma moeda, e para os valores maiores não há moedas: são de papel e esse valor é sempre pouco.

Para que nascem as palavras? Será mais sensato perguntar para que nascem e não como nascem. Sim, julgo ser mais correto colocar a questão desta maneira, pois se apenas aos que já não estão sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.
O meu novo sonho é poder vir a ser esse incompreendedor que o Mago referiu no meio das suas palavras.

Regressei aqui, a este cinzento menos pálido da manhã. Aquecido por um sol menos envergonhado, engreno no trabalho do costume sem companhia, só, solitário, pintado pelas cores alegres da música jazz que passa na rádio. Regressei a este futuro do meu Mago, o mesmo futuro em que Ele pensava, com deleite triste, existir alguém que o pudesse “compreender”, essa gente seriam os seus, a família verdadeira onde nasceria e seria amado, família que só o pôde compreender enquanto efigie e quando a afeição já não Lhe compensava, pois se morreu…

- Diz-me como nascem as palavras, nesta manhã entardecida.

- Sim, nesta manhã em que nos vemos, a hora da dolência aproxima-se a passos largos, mas foi franca e proveitosa a conversa até este instante em que a inconsciência nos separa e a realidade volta a roçar em nossos corpos inúteis.

Até breve,
… até já!

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