Quero tocar uma serenata
a bordo de um barco, escrever conversas verossímeis entre personagens de um
romance com detalhes excessivos e laivos de realidade. Acredito nas dores e
tragédias todas dessa história que vou criando, das almas imaginadas em frases
com e sem sentido, nos monólogos dessa novela instintiva de gramática fácil de
entender. Assim sinto-me capaz de criar algo de deliciosamente moderno, de
verbo fácil mas delicado, sem suicídios de revólver que destruam as vidas
desses homens e mulheres que ajudo a construir e a quem dedico parte
considerável dos meus dias. Eis o problema que me tem dado cabo do cérebro,
pois não sei tocar um único instrumento musical, e não sou capaz de alinhar
frases que façam qualquer sentido. Que significado terão essas conversas que
ficarão por escrever ou as sonatas que jamais serão compostas? Que conhecimento
teremos delas? Correm-me nas veias da imaginação, só aí contemplarei essas
obras imperfeitas e livres que facilmente serão esquecidas antes de eu as
reconstruir. Melhor seria ser homem sem ideias ou imaginação que apenas
acredita no significado das coisas ainda por dizer. Melhor seria eu ser a mais
banal das criaturas, não ter profissão nem fé nem distrações, ceder a prazeres
fúteis e despropositados, não saber ler, não distinguir a mentira nas conversas
mais comuns, sentir a alegria somente como um gesto de raiva que cedo se
esboroa ao sabor de um vento desviante.
Deixei-me levar por
considerações descoloridas, mas nesta praça onde medito o sol espreguiça-se e
ilumina uma tarde esplendorosa que dentro de momentos deixará de existir. Mais
uma vez estou cético quanto à existência real deste lugar e deste tempo onde
agora estou. Tudo será mais fácil de entender quando me encontrar cara a cara
com o Mago, e todo o nosso ceticismo deixará de ter razão para existir.
Vejo esse outro tempo com
clareza, antes não o visse, antes me dessem imagens de árvores e caras e
sorrisos artificiais com quem pudesse gostar de conversar sem que a náusea me
atingisse as células à primeira sílaba da primeira palavra que me oferecem.
É uma coisa muito física
e que me cansa.
Preferia conversar
somente com o olhar, sem palavras, compreender os outros através dos seus
sorrisos e expressões, captar sem cansaços tudo o que lhes vai na alma, apenas
o que verdadeiramente interessa, apenas a literatura do instante irrepetível e
doce que nos seria dado a provar.
Vejo essas conversas em
que nos compreendemos sem dizer uma única palavra. Sem esforço somos mestres
contemplativos de um inteligível difícil de encarar. Praticar esta arte contrai
todos os músculos do rosto de maneira ímpar, e as nossas caras transformam-se
em cartazes coloridos de um grafismo extraordinário tão complexo como uma
pintura de Almada. O nosso coração percorre essa estrada sem receios, o espelho
visível desses outros que também somos desvenda-se ao outro e já nos conhecemos
sem antes nos termos encontrado.
- Mago, quando deixaremos
de ser invisíveis um para o outro? Quanto tempo faltará para que esta fantasia
cinzenta e dolorosa seja substituída pela realidade fiel do infinito onde tu e
eu nos encontraremos à mesa do nosso café.
Nada é tudo isto que
escrevo.
Estéril é tudo aquilo que
ensino.
Falsa é toda a emoção que
comunico.
Acredito no homem Mago
que afirmou, com inteligência, a evidência desta descoberta que também a ele
atingiu como um raio súbito caído dos céus.
Para que possa ter toda a
liberdade de que necessito fecho, cansado, as portas das minhas janelas. Foi o
Mago quem me ensinou!
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